sábado, 15 de novembro de 2008

A paz

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Uma boa reflexão sobre a cacofonia mediática, ou a cultura do galinheiro; a solução é mesmo o silêncio, a rolha

O SILÊNCIO É DE OURO


João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
Vivemos na era da informação, na sociedade mediática, no tempo da imagem. Não é propriamente novidade. Já cá andamos há tantos anos que talvez fosse altura de aprender a viver com isso. O mais surpreendente é constatar a crescente dificuldade em lidar com aquele mundo em que nascemos. Os disparates e tolices parecem multiplicar-se.

Alguns são caricatos. Por exemplo, temos visto uma sucessão de funcionários públicos superiores atropelarem-se na ânsia de arranjar sarilhos com declarações à imprensa.

O enredo é tão semelhante e ingénuo que faz dó ver como essas eminências não percebem a armadilha antes de lá caírem. Começam por dar longas entrevistas que evidentemente ninguém lê. Surpreende logo que eles acreditem que alguém se interessaria pelas suas doutas opiniões e pomposas revelações.

Mas o que todos lêem são os extractos que a imprensa se encarrega de seleccionar, elaborar e propagandear, os pedaços mais sumarentos, chocantes, comprometedores.

Seguem-se os inevitáveis desmentidos, correcções, apoios do ministro competente, pedidos de exoneração da oposição. Em consequência, aquela tarefa administrativa crucial para o País, que nunca seria favorecida se a entrevista corresse bem, fica dificílima ou até irremediavelmente comprometida após o deslize. Depois, é só esperar uns diazitos e tudo recomeça com outro ingénuo burocrata.

Não há quem cale esses leais servidores do Estado? As gaffes dos ministros são já proverbiais, mas ao menos fazem parte das suas funções.

Um político deve estar preparado para explicar as suas escolhas e prestar contas do caminho a seguir. Mas os funcionários não têm de se mostrar às tropas. O seu papel é monótono e silencioso, cumprindo ordens da tutela e operando os mecanismos. A sua influência está no cargo e nos resultados.

Os media não notam que esta degradação também cai sobre eles.

Os repórteres confundem as figuras tristes com jornalismo de qualidade. Em Portugal, relatos enviesados, manipulação descarada, boatos mesquinhos, piadinhas tolas, fotografias ridículas e notícias encomendadas passam por imprensa genuína.

As dificuldades em viver neste mundo não se ficam pela vida pública. Na televisão, rádio, jornais ou auditórios é normal organizar colóquios, debates, mesas-redondas para lidar com questões de fundo.

Mas como vivemos na sociedade mediática, não se podem fazer as coisas de forma esclarecedora. Empilham-se os oradores de múltiplas orientações, proveniências e atitudes. O resultado é uma cacafonia incompreensível que, levada a sério, deixaria toda a gente mais confusa que antes. Claro que, vivendo na era da informação, o povo sai satisfeito com uma ou outra ideia simplista que um interveniente mais habilidoso explicou de forma convincente.

Vivemos num mundo de espelhos, numa fogueira de ilusões. Consideramo-nos informados e esclarecidos mas nos assuntos sérios, opções estratégicas, problemas de fundo, novas infra-estruturas, escândalos empresariais, temos de admitir que ninguém se entende.

Pior, a nossa vida é hoje agredida da forma mais violenta e boçal por aquilo que pretende divertir-nos. Não passaria pela cabeça de ninguém meter em casa os desconhecidos que encontra na rua. Mas à noite, na televisão, tudo o que vier é aceite obedientemente. Uma família pacata, num serão habitual, assiste a mais violência, crime, engano e miséria que uma aldeia medieval num ano de invasões bárbaras.

Como viver numa sociedade assim? A única forma é enfrentá-la, como a um furacão: bem escorados nos valores e critérios básicos, escolhendo com cuidado as referências que nos guiam. Existe ainda um elemento importante, que uma das referências mais decisivas da actualidade acaba de formular.

O Papa pediu há dias, no encontro quaresmal com o clero de Roma a 7 de Fevereiro, um "jejum de imagens e palavras". A sociedade mediática criou uma embriaguez de estímulos que embrulha e asfixia, manipula e embrutece. É preciso lidar com ela como com a poluição.

Na era da informação é crucial lembrar que o silêncio é de ouro.|

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O que merece este Director-geral? O negrito é todo meu.

DN, de 6 de Fevereiro

Alípio Ribeiro "deixa cair" caso Maddie


JOSÉ MANUEL OLIVEIRA
LEE SANDERS-EPA

Ao admitir ter havido "precipitação" em constituir arguidos os pais de Madeleine McCann pelo desaparecimento da filha há nove meses na Praia da Luz, perto de Lagos, o director nacional da Polícia Judiciária (PJ), Alípio Ribeiro, estará a preparar a opinião pública para a possibilidade de não ser formulada qualquer acusação por falta de provas consistentes.

A ideia que fica das posições que o director da PJ tem assumido em declarações públicas é que "terá deixado cair" o processo, conforme admitiram ao DN fontes que têm acompanhado a investigação ao caso Maddie desde o início.

Com advogados de peso, tanto em Inglaterra como em Portugal, que já exploram as declarações de Alípio Ribeiro, e uma estrutura profissional de apoio, o casal McCann poderá dentro de meses ser mesmo ilibado do estatuto de arguido, em que está sujeito à medida de coacção mais leve prevista no Código de Processo Penal, o de Termo de Identidade e Residência, para o qual indicaram a sua residência na cidade inglesa de Rothley. Recorde-se que, depois de Alípio Ribeiro ter dito numa entrevista à Rádio Renascença e jornal Público que terá havido precipitação na constituição do casal como arguido, um dos advogados do casal Rogério Alves veio dizer que a defesa iria pedir que Kate e Gerry McCann deixassem de ser arguidos no processo, que tem como primeiro arguido o luso-britânico Robert Murat.

Possível arquivamento

O consequente arquivamento do processo poderá ser o caminho a seguir, numa perspectiva mais pessimista de fontes ligadas ao assunto contactadas pelo DN, embora a PJ no Algarve continue empenhada em desvendar o mistério, mantendo como mais forte a linha de investigação sobre a tese da morte acidental da criança inglesa no apartamento 5A do "Ocean Club", na Praia da Luz. Daí que as palavras de Alípio Ribeiro tenham provocado o mal-estar que se sente no seio da judiciária.

Se o processo for mesmo arquivado, ficará para muitos a convicção de que houve "cem por cento de pressões políticas" por parte dos ingleses. Como o DN já referiu, um sentimento de "revolta" continua instalado entre os investigadores face às recentes declarações de Alípio Ribeiro, embora o director nacional da PJ tenha tentado apaziguar os ânimos com um pedido de desculpas, procurando fazer crer ter sido mal interpretado quando falou em "precipitação" na constituição do casal McCann como arguido.

"Não sei se haverá prisões"

No entanto, as referências ao caso por Alípio Ribeiro não se ficaram por esta afirmação feita à Rádio Renascença. Já em entrevista publicada a 17/11/2007 no semanário Expresso, depois de considerar que "trabalhamos agora melhor do que no início da investigação", com "mais contenção e serenidade", o director nacional da Polícia Judiciária tinha deixado um aviso: "Não sei se haverá prisões no caso Maddie."

Uma posição contrariada por investigadores, para os quais existirão indícios que poderão levar à prisão de Kate McCann por suspeita de envolvimento na morte e ocultação do corpo da sua filha, que teria sido enterrado ou lançado em alto mar dentro de um saco.

Apesar de Alípio Ribeiro ter feito estas sucessivas declarações públicas - primeiro, que não deveria haver prisões no processo de Mad-die, depois, que teria havido precipitação na constituição do casal Mc-Cann como arguido -, a PJ nunca acreditou na versão de rapto transmitida pelos pais e estes foram constituídos arguidos em Setembro depois de os cãos ingleses terem sinalizado vários locais por onde teria passado o cadáver de Madeleine McCann, então com três anos, desde o apartamento onde estava a passar férias com os pais e os dois irmãos gémeos até à Igreja de Nossa Senhora da Luz, em direcção à praia.| Com I.D.B.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Isto é escrever em português! Aí vai (mais) uma pantufada para a ASAE

MISSÃO IMPOSSÍVEL


Vasco Graça Moura
escritor
Em 20 de Fevereiro de 1745, Alexandre de Gusmão, secretário de D. João V, advertia o desembargador Inácio da Costa Quintela de que as leis "nunca devem ser executadas com aceleração", pois "nos casos crimes sempre ameaçam mais do que na realidade mandam, devendo os ministros executores delas modificá-las em tudo o que lhes for possível, principalmente com os réus que não tiverem partes; porque o legislador é mais empenhado na conservação dos vassalos do que nos castigos da Justiça e não quer que os ministros procurem achar nas leis mais rigor do que elas impõem". E concluía: "Deste modo de proceder ordena S. Majestade se abstenha e que esta lhe sirva de aviso."

Ocorreu-me isto ao ler o que o inspector- -geral da ASAE diz numa entrevista ao Sol. Para ele, tudo são regulamentos a aplicar, com uma aceleração maquinal e implacável, e sem ter em conta os contextos concretos ou a situação do País. E tirar-nos da cauda da Europa é ser-nos indiferente que outros países não façam assim, mantenham a sua culinária tradicional e salvem as suas actividades de restauração.

Numa economia em crise, 50% dos restaurantes, regra geral pequenas empresas que asseguram um pouco por toda a parte a subsistência familiar e alguns postos de trabalho, não cumprem integralmente os regulamentos e assim, segundo o inspector-geral, têm de fechar. Mesmo que o desemprego, a desertificação, os prejuízos para o turismo e até a fome sejam males muito superiores aos decorrentes de uma série de minudências a que a ASAE franze o nariz.

Tanto zelo executório deveria ser temperado pelo bom-senso e pelas normas, nacionais e internacionais, que impõem o maior respeito pelas tradições culturais, em que se inclui a gastronomia com a imensa variedade das suas propostas e a artesanalidade necessária da sua confecção, requisito essencial da genuinidade, da tipicidade e da qualidade.

Uma coisa é reprimir infracções verificadas (falta de limpeza, mixórdia, deterioração, gato por lebre, fuga ao fisco...) e responsabilizar exemplarmente os seus autores, outra é querer preveni-las em absoluto e em abstracto, metendo insensatamente no mesmo saco tanto o que pode ser muito grave como o que não tem importância nenhuma. Uma coisa é o controlo de regras básicas de higiene e segurança alimentar, outra o vezo inquisitorial sem critério ou discriminação, em nome do politicamente correcto, da rastreabilidade e do Estado da colher de pau.

A carne fica oito a dez dias em vinha de alhos, numa receita de Lamego; a perdiz é de comer "com a mão no nariz"; a caça não sai propriamente dos matadouros; a temperatura das mãos que amassam certos queijos artesanais é determinante da sua qualidade; há vinhos que envelhecem em barricas de madeira de há muito impregnadas; a culinária caseira, só viável como actividade de subsistência se fornecer restaurantes (o que, aliás, o fisco pode sempre controlar), é um repositório riquíssimo que inevitavelmente se perderá se não puder continuar nos termos em que existe; e assim por diante...

Se tudo isso e muito mais for proibido, ou plastificado, liofilizado, higienizado até ao ridículo, nem por isso aumentará a segurança alimentar, mas em compensação dar-se-á uma destruição obstinada e sistemática do património cultural e do tecido económico.

Esse fundamentalismo de sinal totalitário tem tanto de delirante como de missão impossível. A menos que, um dia destes, a ASAE resolva mandar os clientes andarem sem sapatos nos restaurantes e criar uma inspecção para o teor dos sulfatos de peúga; verificar com uma zaragatoa, à entrada, a limpeza das mãos deles e se trazem as unhas de luto; impor uma lavagem do dinheiro em espécie e dos cartões de crédito antes de entregues para pagar a conta; proibir toalhas e guardanapos de pano nas mesas; obrigar os empregados a usarem escafandro e o cozinheiro a encapuzar-se para evitar que espirre para cima do esparguete; e, last but not least, determinar a imprescindível desinfecção do cu da galinha antes de ela pôr os ovos... |

sábado, 5 de janeiro de 2008

Este também merecia ser postado, pelas verdades sociais que contém

A luta pelo reconhecimento, de Anselmo Borges (DN de 5 JAN 2008)


Era um homem já de idade. Esperava, só, num corredor do hospital. E uma senhora aproximou-se, discreta na bondade, sorriu e perguntou-lhe como se sentia. Que ia buscar uma cadeira, se ele precisasse. E ele sentiu, no meio daquele amontoado de gente anónima, que uma alegria suave lhe percorreu a alma. Porque alguém o tinha reconhecido.

Há no mais fundo do Homem um desejo, talvez o primeiro de todos os desejos e o motor da existência: "o desejo de reconhecimento" (Ch. Pépin). Ao ser humano não lhe basta existir. Precisa de ser reconhecido. Não é verdade que um homem se faça sozinho, segundo a expressão: "Fez-se a si mesmo sozinho, a pulso." É o reconhecimento dos outros que nos faz. Como escreveu Sartre, "o outro é o mediador entre mim e mim mesmo". A imagem que temos de nós é a interiorização da imagem que os outros nos devolvem. O nosso valor, capacidades e realização dependem do olhar do outro.

O Homem é habitado por uma inquietação radical: o que vale a minha vida? Que valor tem a minha existência? Afinal, as realizações pessoais, os teres e os êxitos nada são, se não valerem para alguém. É o olhar do outro que lhes confere valor.

Por isso, há uma luta sem trégua, de vida e de morte, pelo reconhecimento. Hegel teorizou essa luta num passo célebre da Fenomenologia do Espírito: a dialéctica do senhor e do escravo, com três momentos. Quando pergunto quem sou, a resposta "eu sou eu" nada vale, pois é vazia. Tem de ser o outro a dizer-me a minha identidade. Quero, portanto, que o outro me reconheça. Mas, porque o outro quer o mesmo, trava-se a luta pelo reconhecimento. Então, o senhor é aquele que, para ser reconhecido, não hesitou em pôr a vida física em risco, pois sabe que a vida sem o reconhecimento não tem valor. O escravo é o vencido, que preferiu a vida física à liberdade reconhecida. Num momento segundo, o escravo torna-se senhor do senhor, porque, pelo trabalho, humaniza o mundo, humanizando-se a si mesmo, enquanto o senhor apenas consome o que o escravo produz. Por fim, em ordem ao reconhecimento mútuo, tem de dar-se a reconciliação como homens livres.

Karl Marx viu a força desta dialéctica, mas, percebendo que a reconciliação das liberdades não pode ser meramente interior, acentuou as condições materiais socioeconómicas da sua efectivação.

Para viver como ser humano, o Homem precisa de ter confiança em si, estima por si e respeito por si. Assim, o filósofo Axel Honneth teorizou sobre as três esferas de reconhecimento - íntima, social e jurídica - e os seus três princípios: o princípio do amor, o princípio da realização individual, o princípio da igualdade.

A confiança em si nasce da experiência do amor na esfera da intimidade. É bem sabida a importância do vínculo securizante na relação com a mãe em ordem à autoconfiança e à autonomia. Nesta esfera, estão incluídos todos os laços afectivos familiares, de amizade e amorosos.

Há um profundo abalo na auto-estima, quando alguém, porque não tem um trabalho, se vê atirado para a margem da inutilidade social, já não sentindo que contribui para o bem colectivo.

Para poder sentir respeito por si, cada um precisa de sentir os mesmos direitos que os outros, no quadro do princípio da igualdade na esfera jurídica.

Nas sociedades em que estes três princípios não são garantidos, há inevitavelmente conflitualidade. "Somos pessoas extremamente sensíveis e vulneráveis ao modo como a sociedade nos trata."

Concursos de todo o género, uns minutos de fama na televisão, jogos brutais de poder no mundo político, laboral, académico, económico-financeiro - tudo por causa do reconhecimento.

O debate religioso católico-protestante do século XVI teve na sua raiz a questão do reconhecimento. A pergunta que assaltava Lutero era precisamente a do reconhecimento em termos de justificação. Quem justifica o Homem: as obras ou a graça? Quando leu em São Paulo que Deus justifica o Homem pela fé, Lutero encontrou o sentido radical para a existência: a sua vida tinha valor para o próprio Deus. Deus reconhece o Homem e dá-lhe a eternidade.