segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Uma boa reflexão sobre a cacofonia mediática, ou a cultura do galinheiro; a solução é mesmo o silêncio, a rolha

O SILÊNCIO É DE OURO


João César das Neves
professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
Vivemos na era da informação, na sociedade mediática, no tempo da imagem. Não é propriamente novidade. Já cá andamos há tantos anos que talvez fosse altura de aprender a viver com isso. O mais surpreendente é constatar a crescente dificuldade em lidar com aquele mundo em que nascemos. Os disparates e tolices parecem multiplicar-se.

Alguns são caricatos. Por exemplo, temos visto uma sucessão de funcionários públicos superiores atropelarem-se na ânsia de arranjar sarilhos com declarações à imprensa.

O enredo é tão semelhante e ingénuo que faz dó ver como essas eminências não percebem a armadilha antes de lá caírem. Começam por dar longas entrevistas que evidentemente ninguém lê. Surpreende logo que eles acreditem que alguém se interessaria pelas suas doutas opiniões e pomposas revelações.

Mas o que todos lêem são os extractos que a imprensa se encarrega de seleccionar, elaborar e propagandear, os pedaços mais sumarentos, chocantes, comprometedores.

Seguem-se os inevitáveis desmentidos, correcções, apoios do ministro competente, pedidos de exoneração da oposição. Em consequência, aquela tarefa administrativa crucial para o País, que nunca seria favorecida se a entrevista corresse bem, fica dificílima ou até irremediavelmente comprometida após o deslize. Depois, é só esperar uns diazitos e tudo recomeça com outro ingénuo burocrata.

Não há quem cale esses leais servidores do Estado? As gaffes dos ministros são já proverbiais, mas ao menos fazem parte das suas funções.

Um político deve estar preparado para explicar as suas escolhas e prestar contas do caminho a seguir. Mas os funcionários não têm de se mostrar às tropas. O seu papel é monótono e silencioso, cumprindo ordens da tutela e operando os mecanismos. A sua influência está no cargo e nos resultados.

Os media não notam que esta degradação também cai sobre eles.

Os repórteres confundem as figuras tristes com jornalismo de qualidade. Em Portugal, relatos enviesados, manipulação descarada, boatos mesquinhos, piadinhas tolas, fotografias ridículas e notícias encomendadas passam por imprensa genuína.

As dificuldades em viver neste mundo não se ficam pela vida pública. Na televisão, rádio, jornais ou auditórios é normal organizar colóquios, debates, mesas-redondas para lidar com questões de fundo.

Mas como vivemos na sociedade mediática, não se podem fazer as coisas de forma esclarecedora. Empilham-se os oradores de múltiplas orientações, proveniências e atitudes. O resultado é uma cacafonia incompreensível que, levada a sério, deixaria toda a gente mais confusa que antes. Claro que, vivendo na era da informação, o povo sai satisfeito com uma ou outra ideia simplista que um interveniente mais habilidoso explicou de forma convincente.

Vivemos num mundo de espelhos, numa fogueira de ilusões. Consideramo-nos informados e esclarecidos mas nos assuntos sérios, opções estratégicas, problemas de fundo, novas infra-estruturas, escândalos empresariais, temos de admitir que ninguém se entende.

Pior, a nossa vida é hoje agredida da forma mais violenta e boçal por aquilo que pretende divertir-nos. Não passaria pela cabeça de ninguém meter em casa os desconhecidos que encontra na rua. Mas à noite, na televisão, tudo o que vier é aceite obedientemente. Uma família pacata, num serão habitual, assiste a mais violência, crime, engano e miséria que uma aldeia medieval num ano de invasões bárbaras.

Como viver numa sociedade assim? A única forma é enfrentá-la, como a um furacão: bem escorados nos valores e critérios básicos, escolhendo com cuidado as referências que nos guiam. Existe ainda um elemento importante, que uma das referências mais decisivas da actualidade acaba de formular.

O Papa pediu há dias, no encontro quaresmal com o clero de Roma a 7 de Fevereiro, um "jejum de imagens e palavras". A sociedade mediática criou uma embriaguez de estímulos que embrulha e asfixia, manipula e embrutece. É preciso lidar com ela como com a poluição.

Na era da informação é crucial lembrar que o silêncio é de ouro.|

1 comentário:

G* disse...

Sim, e porque não se cala de vez o João César? Dava o exemplo.