terça-feira, 12 de junho de 2007

Marchas (im)populares



Ou as marchas são renovadas ou serão (mais) ignoradas


Esta é uma boa altura para reflectir um pouco sobre as tradicionais Marchas Populares de Lisboa e para expressar a minha mais sincera opinião sobre estas festas cada vez menos populares e desactualizadas. Como já deu para perceber, estas festas não me cativam, nem nunca cativaram e parece-me que sou secundado neste sentir por várias outras pessoas. Isto leva-me a acreditar que não sou eu que estou mal, mas as Marchas.
As Marchas Populares são uma ideia nascida no contexto do Estado Novo e procuravam fomentar, como já li algures, a "cultura própria de cada bairro" de Lisboa, portanto, do bairrismo, conceito caro àquele regime político. Se até meados do século XX tiveram o seu período mais vivo e mantiveram a sua autenticidade, o mesmo não aconteceu depois quando a sociedade portuguesa começou a mudar drasticamente. É notória a desadequação das Marchas Populares à realidade social de hoje, marcada pelos ventos da União Europeia e da globalização em geral. Arrisco-me a afirmar que hoje as marchas constituem um fenómeno epigonal, isto é, em lenta desagregação relativamente ao que eram. Embora se diga constituírem tradição - de Lisboa, apenas - as Marchas não cativam, não são apelativas a uma população alfacinha que mudou consideravelmente. Diga-se logo: estas marchas, de valor estético desconhecido, pararam no tempo.
As Marchas seriam verdadeiramente populares, se envolvessem profundamente a população em geral de Lisboa. E como nestas coisas de população, eu sugeriria uma sondagem sobre a popularidade das Marchas Populares. Já agora faça-se um inquérito para que se saiba de que gostam mais as pessoas nas Marchas: se dos figurinos - que ferem a vista, se da cantoria - no geral desafinada, se das danças - que o não são. Enfim, este texto pretende apenas reflectir e promover um debate - que não sei se já estará em curso, ou não - que me parece interessante e até premente e que fecunde assim as próprias práticas culturais portuguesas. Para já, a minha sentença é uma: renovem as marchas ou não as passem pela televisão, porque são sufocantemente bairristas. Outros textos críticos deixo à disposição para que se possa pensar este fenómeno:


  1. Roberto Gorjão em 16 de Junho de 2006 às 14:09 :

    “(…) As marchas lá exibiram o seu número, com uma profunda, sufocante, irredimível tristeza. O público, muito pouco, batia umas palmas desanimadas. Nem sombra de entusiasmo ou de alegria. Desafinação geral, coreografias de museu, guarda-roupa caríssimo, que a câmara, através da juntas, com certeza pagou. Numa noite, o eng. Carmona mostrou como se governa em Portugal: com prepotência, com ignorância e sem o mais leve sentido da realidade.”
    Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 16-6-2006

  2. Bruno Gorjão em 16 de Junho de 2006 às 16:40 :

    Agora estando a viver num bairro popular deLisboa - Campolide - cabe-me fazer o seguinte comentário:
    Efectivamente nunca fui especiialmente fã das marchas populares e concordo com a análise na parte do revivalismo um pouco bafiento e carnavalesco, já sem a autenticidade de outrora.
    Todavia, ao aí viver, coube-me notar que as populações dos bairros ainda vivem, passe o pleonasmo, o acontecimento com verdadeiro “bairrismo”. Ou seja, é das poucas coisas, tirando o futebol, que animam uma população empobrecida. E nessa medida têm o seu quê de positivo.

  3. António Daniel em 08 de Julho de 2006 às 16:56 :

    Parece-me que o grande problema é definir o que é tradição. Desde as cornadas de Barrancos que se discute até à exaustão se a tradição deve ou não continuar a ser. se a tradição corresponder a uma situação de puro arcaísmo, sem a devida evolução de acordo com os progressos das consciências, então não sou a favor da tradição. Se conseguir encontrar-se com o tempo e evoluir, então sou a favor da tradição. Quanto às marchas, segundo relatos a que tive acesso na imprensa, nem tradição é. Segundo se diz, as marchas foram uma motivação salazarenga de entreter o povo, tão bem retradas no Pátio das Cantigas. se acrescentarmos, e aí concordo, com o desatino vocal emprestado e com o foclore associado de facto estas marchas são lixo.

1 comentário:

Liliana F. Verde disse...

Sou franca: não gosto das marchas populares, porque não em dizem nada. Somente isso. Sempre pensei que, de facto, toda a gente pensava assim. Mas não é bem assim. As marchas são, de facto, um marco identitário de Lisboa e das suas pessoas. É certo que não de todas, pois Lisboa é uma capital onde vivem milhares de pessoas e o multiculturalismo, assim como as migrações internas (do país para Lisboa), vão "desagregando" a sua identidade. Apesar de tudo, quem é de facto Lisboeta gosta delas. E quem sai à rua para se juntar às pessoas acaba, muitas vezes, por viver o espírito das marchas. Entendi isto com pessoas de família que foram viver para Lisboa. Como sou da "periferia", nem ligo... Deixá-los viver as suas festas!