sexta-feira, 1 de junho de 2007

Pouca interpretação - as provas de aferição


As recentes provas de aferição dos conhecimentos de Português dos 6.º e 9.º anos andam a provocar celeuma. Precisamente apenas porque os erros ortográficos e sintácticos das respostas dos alunos não estão a ser penalizados. A justificação para tal escuda-se na necessidade de avaliar separadamente diferentes tipos de competências. Segundo os responsáveis pelas provas, a avaliação da competência da leitura compreensiva e interpretativa de textos deve vir separada da avaliação da expressão escrita. O que me parece correcto. Mas quem fez as provas não pensou bem nisso, porque fez perguntas de interpretação, às quais os alunos só podem responder escrevendo texto. No meio desta celeuma já houve quem tenha ajuízado e sugerido, a meu ver bem, os questionários interpretativos de resposta múltipla. A competência da escrita seria verificada através da tradicional composição que encerra a prova.

4 comentários:

Liliana F. Verde disse...

Ora aqui está um tema que nos diz respeito. Não é só e exclusivamente o problema da contagem ou não dos erros que estão em causa nas provas de aferição.

Separar ou não a interpretação e compreensão do texto de escrita?

Sou muito sincera ao fazer esta pergunta: sendo a língua uma componente una, é possível/tem lógica separarem-se estas competências? Para mim, não. A competência linguística não o é só de compreensão, só de interpretação, só de expressão ou só de escrita. Todas estas competências, no quotidiano linguístico, são postas em uso. Quem é que compreende sem que esteja a interpretar? Quem é que escreve sem que tenha de compreender e analisar? Parece-me que se tem tentado separar demasiado as águas quando elas correm todas no mesmo caudal.

Não posso, de modo algum, concordar com uma prova de Português em que, no grupo de interpretação (quando há texto que o aluno tem de redigir), não se contabilize os erros ortográficos. Se porventura o questionário de interpretação for só de escolha múltipla, nesse caso, é óbvio que os erros não serão contabilizados, porque não haverá motivo para que isso suceda. Nas provas de aferição houve exercícios dos dois tipos. É nesta aquestão que, aqui, entra outro problema, que é o da escolha múltipla. Não é um exercício descabido, mas pode dar-se bem o caso de confundir mais do que avaliar propriamente dito as competências do aluno na matéria em avaliação (isto faz-me lembrar os testes da carta de condução!). Não estaremos perante um teste totoloto? Fica para discutirmos quando nos encontrarmos... Tenho, inclusivamente, um texto de opinião da "Visão" que fala sobre isto e que me deixou a pensar...

João Santos disse...

Um comentário mais longo do que é costume fazer-se merece também ele o meu comentário. A tua divergência é honesta, pois este é realmente um tema sujeito a discussão e controvérsia. E realmente não tenho certezas absolutas. Mas tenho resultados de maior eficiência didáctica quanto ao uso de questionários de resposta múltipla. Penso eu. Mas como sou curioso, terei que ir ver o artigo de que falas na "Visão"...

Liliana F. Verde disse...

Acabei de ver na Internet este texto que se adequa a um dos assuntos aqui tratados:

"Emiéle"

De Eduardo Prado Coelho, no Público, 09/05/2006

«Há qualquer coisa que não está a funcionar bem no Ministério da Educação. Existe uma determinação em abstracto do que se deve fazer, mas uma compreensão muito escassa da realidade concreta. O que se passa com o ensino do Português e a aprendizagem dos textos literário é escandaloso. Onde deveria haver sensibilidade, finura e inteligência na compreensão da literatura, há apenas testes de resposta múltipla completamente absurdos. Assim não há literatura que resista. Há tempos, dei o exemplo da regulamentação por minutos e distâncias de determinadas provas. O ministério respondeu-me que se baseavam na mais actualizada bibliografia e que tinham tido reacções entusiásticas perante tão inovadoras medidas. Não me convenceram minimamente. Trata-se de dispositivos ridículos e hilariantes, que provocam o mais elementar bom senso.
O problema reside em considerar os professores como meros funcionários públicos e colocá-los na escola em sumária situação de bombeiros prontos para ocorrer à sineta de alarme. Mas a multiplicação de reuniões sobre tudo e mais alguma coisa não permite que o professor prossiga na sua formação científica. Quando poderá ler, quando poderá trabalhar, quando poderá actualizar-se? Não é certamente nas escolas que existem condições para isso. Embora na faculdade eu tivesse um gabinete, sempre partilhado com mais quatro ou cinco pessoas, nunca consegui ler mais do que uma página seguida. Não existem condições de concentração.
Pelo caminho que as coisas estão a tomar, assistiremos a uma barbarização dos professores cada vez mais desmotivados, cuja única obsessão passa a ser defenderem-se dos insultos e dos inqualificáveis palavrões que ouvem à sua volta. A escola transforma-se num espaço de batalha campal, com o apoio da demagogia dos paizinhos, que acham sempre que os seus filhos são angelicais cabeças louras. E com a cumplicidade dos pedagogos do ministério. Quando precisaríamos como de pão para a boca de um ensino sólido, estamos a criar uma escola tonta e insensata.»

Liliana F. Verde disse...

Aqui está um texto que se adequa ao tema tratado:

Emiéle
De Eduardo Prado Coelho, no Público, 09/05/2006

"Há qualquer coisa que não está a funcionar bem no Ministério da Educação. Existe uma determinação em abstracto do que se deve fazer, mas uma compreensão muito escassa da realidade concreta. O que se passa com o ensino do Português e a aprendizagem dos textos literário é escandaloso. Onde deveria haver sensibilidade, finura e inteligência na compreensão da literatura, há apenas testes de resposta múltipla completamente absurdos. Assim não há literatura que resista. Há tempos, dei o exemplo da regulamentação por minutos e distâncias de determinadas provas. O ministério respondeu-me que se baseavam na mais actualizada bibliografia e que tinham tido reacções entusiásticas perante tão inovadoras medidas. Não me convenceram minimamente. Trata-se de dispositivos ridículos e hilariantes, que provocam o mais elementar bom senso.
O problema reside em considerar os professores como meros funcionários públicos e colocá-los na escola em sumária situação de bombeiros prontos para ocorrer à sineta de alarme. Mas a multiplicação de reuniões sobre tudo e mais alguma coisa não permite que o professor prossiga na sua formação científica. Quando poderá ler, quando poderá trabalhar, quando poderá actualizar-se? Não é certamente nas escolas que existem condições para isso. Embora na faculdade eu tivesse um gabinete, sempre partilhado com mais quatro ou cinco pessoas, nunca consegui ler mais do que uma página seguida. Não existem condições de concentração.
Pelo caminho que as coisas estão a tomar, assistiremos a uma barbarização dos professores cada vez mais desmotivados, cuja única obsessão passa a ser defenderem-se dos insultos e dos inqualificáveis palavrões que ouvem à sua volta. A escola transforma-se num espaço de batalha campal, com o apoio da demagogia dos paizinhos, que acham sempre que os seus filhos são angelicais cabeças louras. E com a cumplicidade dos pedagogos do ministério. Quando precisaríamos como de pão para a boca de um ensino sólido, estamos a criar uma escola tonta e insensata."